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Política

Somente a fé supera a burocracia

Denis Kraiser

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Hoje o turista da vida vai junto com você mergulhar no mundo da burocracia. Em visita à prefeitura de Cotia, não podia perder a oportunidade de escrever sobre tal cenário surreal. 

Ao fundo, cerca de 100 burocratas trabalham para facilitar nossas vidas com problemas que eles criam. 

Para inovar, a moda agora é chamar a senha fora de ordem para te deixar confuso e menos irritado (ou mais?) devido à demora no atendimento.

Em teoria serei um dos primeiros pois fui sorteado com a senha de número 0003. De cara pensei que aquilo não fazia muito sentido, pois se haviam mais de 20 pessoas sentadas à espera, como eu poderia ser o terceiro? 

Como todo bom judeu, faço as contas de quantos assentos estão disponíveis para as pessoas se sentarem. O total deu 36 + 18. Como mal judeu, não quis calcular de cabeça e o celular mostrou o total de 54 cadeiras. 

Com o tempo, as cadeiras vão sendo preenchidas e enfim a sessão está quase lotada para assistir ao show da burocracia da prefeitura de Cotia. 

E nada de chamar o número 3. Parece que estou aqui há 2 horas, mas faz apenas 15 minutos. O tempo demora quando temos que fazer algo chato.

Mas nessas horas, programo o cérebro no modo iluminado e a única cura para tal chatice é escrever. Isso sim é tempo ganho. “Tããã!!”, toca o painel eletrônico. Quase!! Número 2. Foi por pouco.

A ansiedade aumenta pois o dever me chama. As pernas começam a chacoalhar sozinhas e viram membros autômatos. Não tenho mais controle sobre elas. Na verdade tenho mas sem drama ninguém se interessa por histórias do cotidiano.

Penso que o Sistema esqueceu que existe o número 3, pois vários números se repetem e não vão ao guichê. Os números 2 e 8 são repetidos exaustivamente e seus donos não se apresentam.

Dos seis guichês apenas 4 vieram trabalhar. O atendente 3 e 6 decidiram ficar em casa “por motivo de força maior” que certamente foi “por motivo de esforço menor”; a famosa preguiça de trabalhar.

Penso melhor e percebo que na verdade eles estão escondidos esperando a lotação máxima do espaço de eventos pois ainda há metade das cadeiras vazias.

Como tudo no Brasil, é preciso primeiro esperar o problema ocorrer para tomar providências, não antecipar sua solução. Vide as tragédias em Mariana e Brumadinho com a Vale.

Agora passaram 30 minutos literalmente e nada de chamar o número 3. Aumentam os Tsc Tsc dos inconformados com a demora.

Cada um reage de um jeito: uns fogem da realidade no Facebook, outros assistem a TV com os grandes feitos da prefeitura de Cotia que se resumem a nenhum e tem aqueles que decidem conversar para esquecer; e claro, uma senhora que se abana e põe a mão na boca de desespero.

De tempos em tempos alguém sussurra alguma reclamação do tipo “ai”, “nossa”, “que demora”… E nada do número 9 se mexer.

Está travando toda cidade a espera da solução dos problemas criados pela própria prefeitura. Enfim uma baixa… um homem na faixa dos 45 sai resmungando inconformado. 

O atendimento foi tão eficiente que nem percebi que haviam 12 guichês, portanto “apenas” 4 funcionários faltaram hoje. Faço um cálculo avançado no papel de cigarro da padaria (mentira, no celular mesmo) e há praticamente 1 funcionário para cada 2,6 pessoas. Em teoria suficiente para atender às demandas da pujante sociedade cotiana.

Pensei que tal situação fosse privilégio brasileiro, porém o desenho Zootopia os representa de forma magistral como bichos preguiça em câmera lenta.

O que será que pode ser tão difícil de resolver? Pagar boletos, digitar código de barras? De toda forma não parecem problemas insolúveis. 

Percebo que existe uma simbiose entre os atendentes e a população. Eles aproveitam o tempo para conversar sobre assuntos da família e problemas pessoais e fazem terapia individual em cada guichê. 

De repente descubro a raiz de todos os problemas. Uma funcionária confessa em ato falho que “o sistema está lento.” Sim, isso já sabemos. Todo sistema brasileiro é via de regra lento e burocrático, como a informática poderia ser rápida? Exceção ao Poupa Tempo, o herói da burocracia nacional.

Após 45 minutos eles decidem realmente sacanear os contribuintes: o número 0001 é chamado. As pessoas procuram o nariz de palhaço sem sucesso com a brincadeira de chamar senhas fora de ordem.

De repente a graça acaba e começa um princípio de confusão com pessoas impacientes. A raiva represada das pessoas começa a vazar nos atendentes. 

O funcionário do guichê 1 surge do nada e enfim o número 3 aparece. Alarme falso, era o guichê não a senha, me confundi pois estou fora de forma em questões burocráticas.

Como “o sistema está muito lento hoje”, vou me informar com um atendente que confessa: para sua necessidade somente o guichê 9 funciona.

Que ótima notícia meus amigos! Agora minha probabilidade de ser atendido beiram a zero. Nesse ritmo acredito que até às 17 hs, horário que fecha a prefeitura, serei atendido. Agora os guichês magicamente estão completos, mas a demora continua.

Assim que o número 5 é chamado, um senhor exclama: “Graças a Ds meu pai!”, tamanha sua satisfação. Enquanto isso, a senhora a meu lado diz: “Nossa Senhora Aparecida há de me ajudar”. E não é que a santa ajudou a velhinha? Foi atendida 3 minutos depois…

Percebi então que o segredo para ser atendido era esse: “andar com fé eu vou que a fé não costuma faiá.” Decido apelar para a fé e invoco meus mestres e protetores espirituais rezando como boneco de ventríloquo para não passar vergonha e ninguém perceber. Pronto, serei o próximo da fila.

Aliás, não acredite em uma só palavra que escrevi. Foi tudo uma brincadeira… com a cara dos contribuintes.

Denis Kraiser

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