Ciência e Tecnologia
Maria, mãe de Mendeleev. Os bastidores da Tabela Periódica.
Se ao pensar na Rússia lhe vier à mente apenas associações negativas do tipo comunismo, Guerra Fria, inimigos do James Bond, Czarismo, Drago x Rocky Balboa, Stalin, Lênin, Trotsky e outros inimigos das “pessoas de bem”, sinto dizer que você está redondamente enganado.
Um cidadão russo deu uma das maiores contribuições da humanidade e poucos o conhecem. Seu nome? Vovô Zoza, meu querido avô. Brincadeira, meus avós paternos de abençoada memória apelidados de “Zoza” e “Nhuta” vieram da Ucrânia, mas não é deles a história de hoje e sim de um monstro da ciência com uma história de vida inacreditável.
Antes um porém. Eu tive um bom professor de química, área de atuação desse gênio, mas nem em sonho ele conseguiu explicar a importância do químico russo Dmitri Mendeleiev e de como conseguiu desvendar um dos maiores mistérios de todos os tempos: a tabela periódica dos elementos.
Ela seria como “a biblioteca de matéria do universo”, algo que também nunca me foi explicado em sala de aula. Ou seja, os ingredientes para fabricar o cosmos. Sinto muito, mas você terá que aceitar. A tabela periódica é genial e uma das grandes conquistas do pensamento humano.
Sabe aquela tabela amada que te faziam decorar durante as aulas de química? Quem não se lembra do “Bela (Be) Magrela (Mg) Casou-se (Ca) com o Senhor (Sr) Barão (Ba/Ra)” ou da consagrada “Foi (F) Clóvis (Cl) Bornai (Br) que Invadiu (In) Atenas (At)?”
Não se preocupe, conheço os traumas dos alunos de humanas em exatas como química, matemática e física, portanto nada direi sobre Mols, Metais Alcalinos Terrosos, Estrôncio, orbitais, prótons, elétrons e ligações covalentes.
Acredite se quiser, a moça que trabalha em casa tem tremores quando ouve a palavra “matemática” e sai correndo devido aos traumas de infância. Só existe uma coisa no mundo para ela pior do que esse “instrumento para raciocinar”: uma barata viva. Aí ela chora e tem ataque de pânico.
Voltando ao Dr Mendeleeev, se você acha que sua vida é dura, não imagina o que esse garoto russo passou na infância. Caçula de uma família de 17 filhos… espere um pouco. Eu disse 17? Calma, sério… Existe uma família de 17 filhos? Se hoje os pais reclamam da falta de tempo para cuidar de 1,7 filhos em média, apesar de eu não entender como se pode ter 1 + 0,7 filho, imagine se tivessem 17 deles na Sibéria.
Enfim… nascido em 1834, ano que seu pai ficou cego, o caçula era prodígio em ciências. Infelizmente, logo que completou 17 anos, Ivan Pavlovich Mendeleiev falece. Sua mãe, herdeira de uma fábrica de vidros, decidiu investir na educação do garoto e deu continuidade ao negócio. Resultado: a fábrica pegou fogo.
No entanto, mal sabe você que os “serumaninhos” têm uma dívida de gratidão com a Sra Maria Dmitrievna Mendeleieva. Se Euclides da Cunha afirmou que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, certamente não conheceu a Dona Maria.
Enquanto muitos pais reclamam da dura jornada de trabalho e falta de tempo por estarem viciados em Televisão, Netflix, Whatsapp e Facebook, a mãe de Mendeleev pegou seu filho e o levou para Moscou.
Mas há um detalhe curioso: ela foi de cavalo. Sim, de cavalo com o filho na garupa. Segundo minhas fontes, eles percorreram 1200 milhas, o que seriam quase 2000 Km.
Porém o Google Maps diz que a distância entre Tobolsk, onde nasceu, e Moscou é de 2400 Km de carro, o equivalente a quase dois dias de viagem ininterruptos.
Estou só conjecturando, mas imagine você pela Sibéria, que esses dias bateu -65º C, e por sei lá quantos dias cavalgar para chegar em Moscou e após mais de 2.000 Km ver seu sonho completamente despedaçado: seu filho foi sumariamente rejeitado.
“Mas Dona Maria é valente”, como diria Galvão Bueno. Cavalga mais 714 Km no lombo do cavalo até chegar em São Petesburgo e graças ao QI de seu filho, no caso “quem indica”, ele consegue a vaga uma vez que o pai também havia estudado na mesma universidade. Como desgraça pouca é bobagem, após a comprida missão cumprida, sua mãe morre.
Veja como a vida foi injusta para muitos químicos: os Atomistas gregos Demócrito e Leucipo foram ignorados por Aristóteles enquanto os alquimistas, precursores dos químicos atuais (incluindo o gênio Isaac Newton), eram considerados feiticeiros durante a idade média.
Chegou a química moderna e Antoine Lavoisier, criador da célebre frase “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma“, teve ainda menos sorte. A revolução francesa que pregava “liberdade, igualdade e fraternidade”, degolou literalmente um dos maiores cientistas da história, o qual inspirou Einstein a formular a célebre equação E = MC2.
“Levou apenas um instante para cortarem-lhe a cabeça, mas a França talvez não produza alguém como ele em um século”, disse o matemático Joseph Lagrange.
Sobrou então para Mendeleev. Em sua época, cerca de 60 elementos da tabela já eram conhecidos, ou seja, praticamente metade deles. Foi então que o gênio teimoso colocou na cabeça que aquilo tinha um padrão, uma das paixões do cérebro humano, e fez dos elementos conhecidos como cartas de baralhos procurando uma sequência lógica para eles.
Conta-se que após inúmeras tentativas e chamados de seu motorista para ir embora, ele adormeceu em seu escritório. No sonho, as cartas começaram a organizar-se e enfim ele entendeu a relação entre os cerca de 60 elementos faltantes.
Como num jogo de cartas, ele foi agrupando os elementos por “peso” e deixando espaços nos que faltavam. Com sua lógica e matemática inacreditáveis, Mendeleev simplesmente previu exatamente os elementos não haviam sido descobertos na época.
Foi algo surreal. Por exemplo: abaixo do Alumínio ele apelidou o elemento de “Eka-Alumínio”, que hoje sabemos ser o Gálio. Ocorre que em 1875 o Gálio foi realmente isolado por Lecoq de Boisbraudan e comprovou a previsão de russo.
Mesmo com toda sua genialidade, ele não ganhou um prêmio Nobel. Por outro lado, seu nome estará impresso para sempre na Tabela periódica através do elemento 101, Mendelévio.
Santa Maria, que literalmente deu a vida pelo filho.
Denis Kraiser
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